24.3.20

Tempos estranhos

O ano começou normalmente, boas notícias avizinhavam-se, estava a conseguir ler um livro por mês aproveitando as minhas horas de almoço e sacrificando algumas noites, planeávamos as nossas idas a Portugal este ano e de repente tudo parou. Começou-se a ouvir falar deste vírus, dos hospitais cheios, da falta de meios. De como devagarinho chegou à Europa e de repente se instava o caos. 
Eu lembro-me de no início não ligar muito ao assunto, de não atribuir grande importância ao histerismo que comecei a ver à minha volta, até ao momento em que anunciaram o fecho das escolas. Soube-o até de uma maneira estranha, seguia os desenvolvimentos em Portugal e enquanto lia a notícia sobre as escolas de Portugal, algo mais abaixo me chamou a atenção. "França fecha as escolas a partir de segunda-feira". Ups.

Desde aí, tem sido uma catadupa de medidas e restrições. As escolas fecham. Os estabelecimentos abertos ao público fecham a não ser que sejam bancos, tabacarias, farmácias, bombas de gasolina ou comércio alimentar. A partir de hoje os mercados fecham. Deixamos de poder sair à rua a não ser com um atestado que indique a razão porque saímos. A partir de hoje, para exercício ou passear com as crianças, já só o podemos fazer uma hora por dia, uma vez por dia, e num raio de 1 km, com a hora a que saímos de casa escrita no atestado. Dizem que as escolas só abrirão depois das férias. Depois avisam que será só depois de as férias terminarem para todas as crianças (em França, as crianças não tiram férias todas ao mesmo tempo, o país divide-se em 3 zonas e as férias são desfasadas), no início de Maio. E este é o cenário mais positivo. Há quem fale que ainda temos 2 meses de isolamento pela frente. Há quem diga que este ano lectivo as escolas já não voltarão a abrir.

Eu tenho sorte. Estar em casa com a Mini-Tété não mexe comigo. Fiz isto durante 3 anos e ela tem 4, por isso não foi assim há tanto tempo. Sei que há dias em que a paciência é menor e outros em que tudo corre melhor, dias em que ela está de mau humor e outros em que o tempo até parece que voa. Consigo facilmente encaixar-me neste papel. E também tenho sorte porque, por estar em casa com uma criança, não estou a fazer teletrabalho, o que me deixa mais livre e com menos stress. Coragem a todas as mães que estão a trabalhar ao mesmo tempo que cuidam dos filhos. Acho que numa situação dessas, a Mini-Tété ganharia a medalha de ouro de horas à frente de televisão.

Também tenho sorte porque finalmente há a grande vantagem de viver no campo. Temos um pequeno espaço exterior onde a Mini-Tété pode brincar e apanhar sol, sem estar confinada entre paredes. Podemos sair sem nos cruzarmos com ninguém ou, na loucura, com uma ou outra pessoa (e cada uma fica do seu lado da estrada) e por isso quando os dias se complicam posso levar a Mini-Tété a dar  uma volta de bicicleta (já vi e o percurso que temos feito é de menos de 700 metros) ou a correr uns minutos. Não o fazemos todos os dias, prefiro ainda assim ficar em casa, mas que saber que tenho esta facilidade me ajuda, isso ajuda.

Para a Mini-Tété, tudo está quase bem. Não tem saudades da escola. Todas as manhãs trabalhamos e fazemos as fichas que a professora incansavelmente tem enviado por e-mail. Tem a mãe em casa com ela (e como está numa fase de "mãezite", está a delirar). Tem dias em que lhe apetece ir ao parque ou ver a família mas entende que não é possível. Agora não poder brincar com a amiga que vive mesmo em frente e com quem partilha uma parte do quintal, isso é que é difícil. Há dias em que apenas uma está lá fora e a outra observa pela janela (e isto é de partir o coração). E noutros dias, como hoje, estão as duas, cada uma na sua ponta, com metros de distânica, a saberem que não podem brincar juntas, mas ao menos conversam. E isto custa. A ela e a mim. Mas os pais de cada família ainda saem para trabalhar alguns dias por semana e por isso não podemos correr o risco de uma família poder contaminar a outra. Não seria justo. 

As férias foram canceladas. Ainda nem marcámos as de Verão porque sabemos lá como estarão as coisas por essa altura. Acho que a mim é o que me custa mais, não saber quando tudo isto termina. Preferia saber que ia durar x semanas ou x meses do que estar assim, sem saber, sem conseguir organizar e planear a minha vida.

Estamos calmos, pouco histéricos, ainda que sinta um apertozinho no coração sempre que o Jack vai trabalhar fora dado não sentir que haja condições para que o faça em segurança. Tenho asma e sinto-me pouco confortável com tudo isto, até porque não adoro hospitais e nos tempos que correm muito menos vontade teria de me ir enfiar num. Mas acho mesmo que estamos a levar isto de forma positiva, não há muito que possamos fazer para alterar seja o que for, por isso tentamos estar o melhor possível no melhor ambiente possível, sem discussões ou problemas.

E por falar em apertozinho no coração, também o senti no sábado quando decidi ir às compras depois de uma semana fechada em casa e para além do papel higiénico, também não havia carne, ovos, peixe, pouca massa...Ainda tive ali um momento de pânico de "ai, meu Deus, que afinal isto é mais grave do que eu pensei e eu tenho uma filha para alimentar, como é que eu vou fazer??" até ter respirado fundo e ter pensado que fui à tarde, horas depois do hipermercado ter aberto, que muito provavelmente tudo tinha sido comprado de manhã e ainda não tinham reposto até porque estavam menos empregados assim à primeira vista. Tive azar, foi só isso. Quero acreditar nisso.

E por aí? Como tem corrido este isolamento?

(agradecimento à Joana que me levou a escrever de novo aqui depois de tanto tempo calada. Não sei se continuarei assiduamente mas soube-me bem escrever, já tinha saudades :) )



6 comentários:

  1. Devias continuar, fica desde já aqui o meu apelo :D

    Nós temos mandado vir pelo Continente online, seriando as compras: todos os dias acedemos ao site e vemos para quando estão as entregas, e assim tivemos entregas a 12 e 19 de Março e agora teremos a 1, 6, 12, 17 e 22 de Abril (frescos). Fizemos isto precisamente porque temos amigos em Itália e em Espanha que nos avisaram que no início as pessoas corriam todas às compras e que depois tudo ficava mais tranquilo. Ainda hoje encomendámos para 22 de Abril, por exemplo, que era o primeiro dia disponível de entregas.

    Mas entre 19 de Março e ontem ficámos sem frescos (pão, fruta, carne, não temos um congelador grande e por isso não conseguimos comprar muita coisa de cada vez) e fui às compras às 15h. E quanto lá cheguei... Havia pouquíssima carne. Pouquíssima mesmo. Tive de ser extremamente imaginativa, por isso nos próximos dias vamos ter por cá pitéus como gambas (o Matias ia tendo um ataque, adora camarões), pato (era o que sobrava), almôndegas biológicas e bifes do lombo. Uma finesse a nossa quarentena xD Por outro lado, pelo Continente online não temos tido qualquer dificuldade em pedir a carne que costumamos comer (peito de frango, lombo de porco, bifes, carne para picar, por aí), embora de vez em quando faltem algumas coisas (um destes dias não havia leite da miúda, ou queijo, ou fiambre, ou líquido de lavar o chão!). Moral da história: temos um Excel todo pomposo com as nossas compras e cruzinhas nas datas em que chegam, para não perdermos o fio à meada.

    Para além de fazermos compras para nós também fazemos para o meu irmão, que chegou da Suíça há quatro dias e está de quarentena sozinho na casa dele em Lisboa. Ainda hoje enviei um estafeta lá com um saco de compras. Curiosidade: nós aqui preocupados com carne e afins e o que me pediu para comprar o tipo de 20 anos? Cuscus, queijinhos da Vaca que Ri, pão integral e café :P

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    1. Aqui não existe esse sistema de compras entregues em casa. Existe o drive em que encomendas e simplesmente passas para apanhar mas por acaso nunca usei e não sei se agora estará funcionar. De qualquer forma, acho estranha a ideia de ter outra pessoa a escolher frescos para mim. Eu só compro fruta verde, não gosto de fruta madura, por isso não sei como se passaria neste ponto. :D

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  2. As situações não são mesmo todas iguais. Eu tenho-me queixado da minha situação porque não temos jardim nem temos ido ao exterior. Se o pudesse fazer, acho que a quarentena não me custaria mesmo quase nada - a não ser pelas saudades da família e dos amigos, claro. Como o marido já está em casa, até o teletrabalho tem corrido MUITO mais facilmente. Só é cansativo porque o meu trabalho, nesta fase, não tem propriamente hora... pode ser às 9h00, às 13h30, às 21h00... é estar sempre atenta ao telemóvel e email. Isso também me desgasta imenso. Não consigo nem fechar os olhos meia-hora depois do almoço - o que seria uma bênção.

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    1. S*, as situações são mesmo diferentes. EU brinco com a situação, envio memes com piadas às minhas amigas a propósito de estar em casa com crianças mas tenho noção que para mim não é assim tão difícil, que para já não custa. Tenho amigas cheias de trabalho, a tomar conta de mais do que uma criança, algumas em idade escolar e a precisar de apoio neste campo, e para elas sim é complicado. Claro que preferia sair, preferia poder ir ao parque, preferia poder ir ter com a família, tudo isso é melhor do que ter uma criança que está há mais de 15 dias em casa. Termos o espaço exterior ajuda muuuito. É um espaço pequenino, ela nem espaço tem para correr, é bem mais pequeno que o terraço a que vocês têm acesso. Nesse ponto, acho que a Mini-Tété e o Rafael têm a mesma sorte. Ela por exemplo tem gostado de lanchar lá fora. Podem fazer o mesmo no terraço, uma espécie de piquenique. ou levar vários brinquedos e fazer obstáculos para os carros. A maior parte das brincadeiras da Mini-Tété lá fora são iguais às que faz dentro de casa (brinca com as bonecas, lê livros, brinca com os carrinhos..) mas o ambiente é outro e isso já ajuda a saturar menos.
      O sair de casa é perfeitamente compreensível que se evite. Nós evitamos. Mas por exemplo, um dia fomos ver se havia correio e ela perguntou-me se podia correr. Ora para ela me pedir para correr, é porque está mesmo a precisar de mexer as pernas, ahah. Por isso nesse dia fomos passear, ela deu umas corridas, 10 minutos depois estávamos em casa. Às vezes é o que basta para os dias seguintes correrem melhor.
      Sim, esse trabalho assim, também deve ser bem cansativo, sem horários definidos. É como dizes, as situações não são todas iguais. Para umas pessoas tudo isto será mais difícil do que para outras.

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  3. Realmente viver no campo deve ser agora um factor de sanidade mental. Fico super contente por vocês! :)
    Aqui... há dias positivos, há dias desesperantes... é ir lutando com o medo.

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  4. Por cá já há 4 semanas que fazemos teletrabalho com a nossa filha em casa, essa parte é a mais difícil, ela tem quase 3 anos e custa perceber por que tem os pais em casa mas não pode estar com a atenção deles o tempo todo.
    A nível de supermercado não sinto diferença, tenho o pingo doce mesmo perto de casa e há de tudo, têm medidas de segurança mas infelizmente há clientes que se põem mesmo em cima de ti sem a mínima noção....
    Falta nos o terraço ou a varanda mas até temos bastante luz em casa. A sala virou quarto de brinquedos e escritório.

    Também esta quarentena me fez voltar a escrever e tem ajudado a manter a serenidade, por isso continua :-)

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