5.4.17

Casei com uma boa pessoa

O Jack é aquele tipo de pessoa com uma enorme dificuldade em dizer que "não" aos outros. Quer agradar, quer ser prestável, quer ser boa pessoa mesmo que isso o prejudique e favoreça os outros. Há uns dias, comecei a ouvir vozes e fui dar com ele à porta a falar com um homem que parecia estar a tentar vender-lhe qualquer coisa. Não liguei, não era nada comigo, não estamos interessados em comprar nada agora e fui à minha vida, achando que em 2 minutos o Jack despacharia o assunto. Já tinha passado um bom bocado quando fui ver como estavam as coisas e vejo o homem a perguntar se pode entrar para explicar melhor do que se trata. Rebolei os olhos. Odeio ter desconhecidos a entrar em casa e, por mim, o assunto já estaria mais do que arrumado. Continuei nos meus afazeres mas comecei a perceber que o Jack estava encurralado: por um lado, notava-se perfeitamente que não queria o produto, por outro estava com uma enorme dificuldade em dizer ao homem que "não" porque o senhor usava argumentos como "é para ajudar os jovens", "o senhor tem uma filha, um dia também pode querer que a ajudem a ela", "toda a gente está convencida e a aderir". Eu admito, não tenho pachorra, não gosto quando me apelam ao sentimento e me tentam fazer sentir mal por não querer comprar uma coisa. Muito menos quando usam aspectos da minha vida pessoal para me tentar convencer. O Jack lá ia tentando ganhar tempo, fazendo perguntas, algumas até repetidas, sem conseguir desenvencilhar-se da situação. Decidi assumir o comando da coisa antes que acabássemos por ter uma enciclopédia grega ou uma bicicleta sem pedais cá em casa. Perguntei de que se tratava, foi-me explicado que era o jornal da região, todos os dias de manhã seria deixado na caixa do correio, são os jovens que fazem a entrega tendo assim um emprego honesto, e custaria por mês um pequeno balúrdio (tão grande que achei inicialmente que era o valor por ano). Olhei para o Jack e disse-lhe "Não dá, sabes bem que não é possível", achando que para o homem a informação não seria uma surpresa. Estava na cara que o Jack não queria o jornal senão já tinha aceite, estava a recusar dar os seus dados pessoais e toda a postura era de alguém contrariado. Mas suponho que para estes vendedores, pessoas como o Jack sejam um bom isco: mostram claramente que não querem mas não conseguem dizer que não, pelo que com alguma pressão talvez acabem por ceder. E realmente o homem não gostou da minha resposta e virou-se para mim, primeiro numa atitude engraçada e de argumentação positiva, como "Se soubesse que era a senhora a decidir, tinha falado consigo primeiro!" (Não sou eu que decido), "Mas oiça, é um projecto fantástico: promove a empregabilidade dos jovens, promove a leitura. Um vizinho seu disse que nunca lia o jornal mas que com este serviço agora lê todos os dias!" (Não vale a explicar-me novamente, já ouvi e não estamos interessados. Eu não gosto de ler o jornal e o Jack lê na internet), "Mas não custa assim tanto!" (Custa mais do que eu posso pagar agora por isso não dá mesmo), entre outros que tais. Vendo que os argumentos não estavam a resultar, passou a ter uma atitude de ataque enquanto arrumava as coisas todas, o que deixem-me que vos diga me deixou ainda mais chateada. Estar em minha casa a atacar-me? Pensam mesmo que assim me convencem? E começou então com coisas como "Ele quer o jornal, a senhora é que não deixa" (Ele não quer o jornal), "Quando a senhora compra um vestido, ele diz-lhe que não?" (Eu não uso vestidos), "Aposto que compra uma camisola por mês e o seu marido não lhe diz que não!" (Não compro), "Não acredito em si!" (Tudo bem, não me incomoda que não acredite), "É capaz de negar este tipo de prazer ao seu marido?" (Sou, porque ele também não quer), "Estou aqui há mais de meia-hora, isto não se faz! Se não queria, não me deixava entrar!" (Você é que ele pediu e ele aceitou para o ouvir, nada o obriga a aceitar no fim), "Isto é gozar com as pessoas" (Não, não é), " Se não queria o jornal, devia ter recusado mal me viu à porta" (não sabia o que estava a vender), "Isso é mentira!" (não, não é, mas se não acreditar, é consigo), entre outras que tais. Saiu finalmente e eu fechei a porta. O Jack sussurrou "Obrigado por me teres safado...E eu que lhe ia oferecer um café e esqueci-me". Já disse que ele é mesmo uma "boa pessoa" com tudo o que de bom e mau isso traz?

4 comentários:

  1. Oh valha-me Deus! Que raio de situação se desenrolou aí! Mas esse dito vendedor não se soube comportar no final. Fez muito bem em ser clara com ele!
    https://jusajublog.blogspot.pt/?m=1

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    1. Há pessoas que não sabem lidar com a frustração de verem um quase negócio a ir por água abaixo.

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  2. Confesso que aqui em casa somos os dois iguais nesse aspecto, pomos logo os pontos nos is e delicadamente mandamos a pessoa embora directamente.

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    1. Aqui não. :) O Jack tem uma grande tendência para não conseguir dizer que "não" (claro, depende das situações. Quando quer é um teimoso do pior), mesmo quando o que lhe pedem não dá jeito nenhum.
      Eu não ponho sempre os pontos nos i's, também falho às vezes, mas por exemplo se começam realmente a tentar fazer-me sentir mal por não aderir/comprar/contribuir para alguma coisa, acabou-se imediatamente a conversa. Não tenho paciência para este tipo de abordagem.

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