Em Agosto do ano passado, os três piores vizinhos saíram dos apartamentos que alugavam. Famílias barulhentas, com muitos filhos, porcas, amantes de festanças e bebida (e drogas, dizem as más-línguas), sem qualquer respeito e consideração pelos outros habitantes do prédio (acho que nem se lembravam que nós existíamos). O prédio tornou-se um sossego connosco, um rapaz e uma mulher solteira, cada um a viver a vida no seu apartamento, sem nos incomodarmos uns aos outros. Nós então passámos praticamente a viver no paraíso, já que ficámos sem vizinhos debaixo e de cima. Embora estranhássemos o senhorio ter deixado assim três apartamentos aos abandono e ainda por cima no estado em que estavam (era visível através das janelas a degradação: paredes cheias de humidade, paredes "pintadas" de vermelho e cinzento como se quem o tivesse feito tivessem sido crianças, tomadas arrancadas, tectos e paredes destruídos, sujidade em quantidade; e isto tudo apenas nas divisões que conseguíamos ver) e nos perguntássemos muitas vezes se ele arrastaria esta situação, a verdade é que não estávamos desejosos que ele colocasse rapidamente novos inquilinos (principalmente tendo em conta o gosto com que os escolhe). Ainda temos uns bons meses pela frente nesta apartamento, se tudo correr bem, e por nós mantermo-nos-íamos assim sem vizinhos até ao dia em que daqui sairemos. Adoramos este apartamento, o nosso primeiro apartamento, eu morro de paixão pela luz que ele tem, e se pudéssemos pegávamos nele e mudávamo-lo simplesmente de sítio, porque sem dúvida que a vizinhança pode estragar tudo.
Hoje acordei com berros. Muito berros de homens. O primeiro pensamento foi "Os vizinhos!" uma vez que à conta das bebedeiras havia muitas vezes discussões e às vezes com a própria polícia ao barulho. Depois lembrei-me que eles já se foram embora há meses (mesmo que mantenham com eles as chaves porque continuam a vir ver o correio) e tentei perceber o que se passa. Andavam homens nos apartamentos vazios, a trocarem fechaduras e a analisarem os estragos. E berravam uns com os outros como se fizesse todo o sentido um estar num apartamento, outro noutro apartamento e mesmo assim terem de conversar. Cheira-me que brevemente começarão a haver obras (que os apartamento bem precisam, sejamos sinceros!) e que o nosso sossego acabou. E eu não estou pronta para isso.
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