23.11.14

Porque às vezes também há dias maus

A sobrinha do Jack perguntou-me há uns dias: "Se não tivesses começado a namorar com o tio, como teria sido a tua vida e o que estarias a fazer agora?". Respondi-lhe que era complicado responder uma vez que já estava com ele há dez anos e em dez anos muita coisa acontece e muda, por isso nunca poderia responder com toda a certeza sobre o que teria sido alterado. Mas teria acabado o curso na mesma. E teria vindo de Erasmus para França na mesma uma vez que essa decisão não foi dependente do Jack pois na altura ele até estava a viver em Portugal. Mas talvez não tivesse aguentado a experiência e não me tivesse refeito dela da maneira como refiz. E teria feito o estágio. E teria feito o mestrado. E teria começado a trabalhar no sítio onde fiz o mestrado. E teria deixado aquele local de trabalho, talvez mais tarde do que o fiz, mas teria deixado.  Mas não teria vindo para França para viver. Esta foi provavelmente a única decisão que fiz na minha vida que não teria feito se o Jack não existisse. E embora não me arrependa, mesmo continuando sem emprego (sei lá se estivesse em Portugal teria algum....), pois a verdade é que com apenas um ordenado conseguimos ter aqui algo que dificilmente teríamos em Portugal, às vezes penso que não me apetece estar aqui. E muito, muito, muito raramente (acho que já me aconteceu duas vezes) penso que não quero estar aqui. E nestes raros, muito raros dias, dou por mim a pensar que não, não quero estar aqui. Quero pegar no Jack, na minha casa, no carro, nas minhas coisas, na família dele, nos amigos dele, no emprego dele, e mudar-me para Portugal. Quero a vida que aqui tenho mas nesse jardim à beira-mar plantado. Porque nestes raros, muito raros dias, chateia-me não conseguir falar fluentemente, logo eu que até gosto de conversar, chateia-me estar em casa, mesmo tendo uma capacidade extraordinária de arranjar coisas para fazer e conseguir chegar ao final do dia sem ter feito tudo, e chateia-me estar dependente dele para ir a alguns sítios porque me baralho com o trânsito e porque me faltam pontos de referência e posso de repente ver-me no Luxemburgo quando achava que até estava a ir na direcção oposta. Nestes raros, muito raros dias, chateia-me ter a família disponível para falar por skype exactamente nas horas em que o Jack está em casa e eu tenho de optar por dar atenção a uns ou a outros, chateia-me ter a família tão longe porque embora adore a família do Jack a verdade é que a minha família não é substituível, e chateia-me estar aqui inserida numa família que não sendo a minha tem regras e costumes às quais não estou habituada (e que não me incomodando em todos os outros dias, nestes dias me fazem sentir que não quero mesmo estar aqui). Chateia-me o preço das coisas, não só pelo preço em si como pelo facto de eu não ter dinheiro, chateia-me não ter amigos aqui (ou os meus amigos aqui),chateia-me a ausência de resposta dos amigos, que estão longe e têm obviamente a sua vida mas que nestes raros, muito raros dias, deviam estar aqui porque preciso de um abraço, e chateia-me pensar que por muito que me esforce a distância vai fazer das suas e vai afastar-me deles. Nestes raros, muito raros dias, irrita-me sentir que cada desafio é um desafio ainda maior devido à língua, irrita-me a comida daqui e as saudades que eu tenho de alguns produtos portugueses (ou do preço deles que isto de ver castanhas a 9€/Kg é como se elas nem existissem), e irrita-me o trânsito que me rouba diariamente horas com o Jack. Nestes raros, muito raros dias, penso que esta vida de emigrante é uma treta. Felizmente no dia seguinte acordo e agradeço ter a vida que tenho (que podia ser tão, mas tão pior), mesmo que raramente, muito raramente, haja dias maus.

11 comentários:

  1. Percebo-te tão bem. Às vezes também me apetece agarrar nas malas e ter como destino imediato o Aeroporto da Portela. Mas depois olho à minha volta e percebo que tenho uma vida que escolhi e que não teria de todo em Portugal. Está frio lá fora, e às vezes aqui dentro *aponta para o peito*, mas vale a pena, porque mesmo no meio desse frio, conseguimos encontrar a felicidade. E isso só a emigração e as partidas é que nos ensinam isso.

    Muita força e um abraço à la française

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  2. Força, muita força! Tenho duas GRANDES amigas francesas que vivem em França e sei que a minha amizade com elas é tão especial por estarem longe! Fortalece a nossa ligação!Mas, por vezes custa-me que elas estejam longe é verdade mas, é como tu dizes:existem as novas tecnologias ao nosso dispor.Apesar de, por vezes, trocarmos cartas e é tão bom!(Provavelmente se eles vivessem em Portugal não haveria cartas para ninguém!)

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  3. Por mais tempo que passe acho que haverá sempre dias maus nesta vida de emigrante!
    A propósito do teu post sobre explicações de matemática. Uma grande parte da família do meu companheiro vive em França e várias vezes já se falou da falta de explicadores de matemática! Segundo eles é difícil encontrar pessoas que o façam. Tens conhecimento disso?

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  4. São apenas uns dias maus .. e isso é que é importante!
    Força querida :)

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  5. Krystel,

    Seria impossível ter a vida que aqui temos em Portugal. Obviamente as coisas são mais baratas (e com o dinheiro deste apartamento teríamos pago provavelmente um maior em Portugal), mas ele nunca teria o salário que aqui tem e duvido muito que eu também tivesse. E é verdade que este salário nos permite ir realizando sonhos que em Portugal só poderíamos concretizar se ambos tivéssemos emprego (e mesmo assim, sabe-se lá). Mas às vezes, só às vezes, é chato estar longe.

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  6. Se é, se é. Às vezes só sinto falta de estar em Portugal. Não por causa da presença fisica de alguém de especial, mas só por estar. O nosso coração tem um sistema GPS que detecta logo que está em casa. E isso, é inegável. O sentir que estamos em casa. Mas pronto, a vida compensa e os dias menos bons vão dando lugar a uns melhores que nos permitem depois chegar a Portugal e aproveitar a 100%.

    Está quase, Tété, está quase. Um abraço.

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  7. Pink Stuff,

    Para ser sincera, não acho que ser emigrante nos dias de hoje e em países assim tão perto seja complicado. As novas tecnologias ajudam e muito a superar a distância. E eu sei que os amigos serão sempre amigos, mas a diferença de estar com alguns todos os dias e de repente escrever de vez em quando é enorme, e obviamente começam-se a perder pequenos pormenores da vida de cada um.

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  8. Krystel,

    O engraçado é que quando estou em Portugal, sinto que a minha casa é esta, onde vivo com o Jack, onde estão as nossas coisas. :) Quando vou a Portugal, vou feliz feliz feliz. Quando regresso, venho um pouco triste por deixar Portugal mas também alegre por regressar a casa. :)

    Mas os dias bons são sem sombra de dúvida muuuitos e em maior quantidade que os maus. Se assim não fosse, já não estava cá. Depois do que passei em Erasmus, recuso-me a colocar a minha felicidade e a minha sanidade mental em situações de desequilíbrio.
    E o bom dos dias maus...é que passam! :D E depois vêm muitos dias bons. :D

    P.s. E sim, já conto os dias para ir passar o Natal a Portugal. ;)

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  9. Percebo-te tão bem. Quando me deito na minha cama em Lisboa lembro-me que a minha cama não é aquela. Sei que tenho uma outra casa, a minha, não a dos meus pais, a minha que pago e onde vivo (literalmente) quase tudo. É um sentimento tão misto, que é estranho mas puro.

    Força para agarrar esses dias bons!! Eles estão ai, à espreita, atrás dos dias maus!! E são tão bons, não são? :)

    P.S: Somos duas! Por aqui faltam 20 dias!!

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  10. Cátia Lopes,

    Confesso que não sei. O problema é que vivo numa zona mais de campo, ou seja, noto a falta de muita coisa. Se calhar se vivesse numa cidade maior, teria outra ideia das coisas. Mas quem me dera que este negócio de dar explicações de matemática tivesse sucesso. :)

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  11. Miss Purple,

    Sem dúvida! Estou cá há dois anos e tive dois dias assim destes muito maus em que me apetece deitar no chão, espernear e gritar que não quero estar aqui. Depois há aqueles dias em que não me apetece estar aqui, tal como às vezes em Portugal não me apetecia ir trabalhar ou estava a apanhar um dia de férias mais seca. Esses nem contam. :P

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Digam-me coisas. :)