5.12.18

Uma selva

Às vezes lembro-me de uma conversa que tive com o chefe do departamento onde trabalhei quando vim fazer Erasmus para França. Falávamos sobre como os franceses são muito dados a manifestações e a greves. Como só a ideia de alguma coisa vir a mudar no futuro os faz sair à rua, muitas vezes sem dar qualquer hipótese de ver se funciona ou não, outras vezes até cheios de razão. Na altura comentei que nós, portugueses, somos mais calmos, não saímos assim à rua constantemente, não nos corre nas veias este lado manifestante. O meu interlocutor sorriu e respondeu-me "Pois, os portugueses são mais de fazer revoluções de tempos a tempos...". 

É verdade que também nos manifestamos e que também nas nossas manifestações há sempre uns quantos que tentam (e às vezes conseguem) levar aquilo para onde ninguém quer, para a violência, para os confrontos, mas é igualmente verdade que nisto os franceses ganham-nos aos pontos. Neste momento, as manifestações dos Coletes Amarelos (Gilets Jaunes) são a prova disso mesmo. Um povo farto das 5248541254 taxas a que os franceses são sujeitos (o salário mínimo é maior que o português de facto mas o custo de vida e os impostos levam grandes fatias, e para 2019 estavam previstos mais aumentos de taxas), uma manifestação para mostrar o descontentamento e eis que de repente está a selva instalada. 

Logo no primeiro dia de manifestação, enquanto espreitávamos a mesma na televisão, vimos passar alguns manifestantes com meia-cara tapada por lenços. Na altura comentei com o Jack: "aqueles não vão apenas manifestar-se, vão armar confusão, não está assim tanto frio que os obrigue a protegerem-se assim". Meu dito, meu feito, começaram os desacatos logo nesse dia e têm piorado numa escalada acelerada todos os fins-de-semana, sobretudo em Paris mas também em várias outras cidades de França. Já me cruzei com alguns manifestantes, felizmente pacíficos, que não me barraram a passagem nem incomodaram. Odiaria estar no mesmo sítio que os idiotas que acham que para se manifestarem têm de provocar estragos ou daqueles que, não querendo saber nada da manifestação, a aproveitam apenas como desculpa para destruírem tudo o que vêem. Compreendo verdadeiramente alguns dos pontos pelos quais os Coletes Amarelos se manifestam mas quando se passa para estragar e queimar carros de inocentes, pegar fogo a um hotel, destruir obras de arte de um museu, partir as vitrinas de lojas, cafés e restaurantes, saquear o que mais der jeito, agressões a civis e polícias, o objectivo há muito que se esqueceu e deixa de ser importante.

As imagens do fim-de-semana passado foram terríveis, diz-se que este fim-de-semana será ainda pior. Estou convencida que chegando ao fim-de-semana na véspera de Natal ou se as temperaturas começarem a descer as coisas acalmarão. Mas até lá, tenho muita pena de quem decidiu visitar Paris (e outras cidades como Tours, onde fiz Erasmus, que também virou uma selva) nesta altura do ano, dos polícias que são obrigados a estar ali a enfrentar um grupo de selvagens que acha que é atirando pedras e peças de andaimes que marcam uma posição, de quem ali vive e que vê os carros destruídos sem culpa nenhuma, dos lojistas e comerciantes que se trancam dentro dos estabelecimentos por medo, dos pais com crianças assustadas com tudo isto e rezo para que esta selvajaria não chegue onde vivo. 





1 comentário:

  1. Credo, que gente louca... é coisa para meter medo, porque as pessoas nessas situações parece que cegam!

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Digam-me coisas. :)