14.3.17

Rede de segurança

Quando, aos vinte e tal anos, deixei de partilhar casa e aluguei um apartamento só para mim mantive uma espécie de rede de segurança que, sem dar por ela, se tinha criado quando entrei na Universidade. Basicamente, havia a rotina diária de haver um telefonema ou uma troca de mensagens (poderia até ser algo simples como "Por aqui tudo bem") com os meus pais, e não havendo a obrigatoriedade de o fazer todos os dias, era mais ou menos certo que "falhando" um dia, no outro deveria mesmo cumprir. Nunca se falou neste sistema, não foi criado com esse propósito mas apercebemo-nos todos mais tarde (quando sofri um acidente em casa) que ele nos dava uma sensação de segurança boa: a eles porque tinham sinal de vida da filha todos os dias e quando não tinham num dia, não era grave porque haveria no dia seguinte; a mim porque eu sabia que se "falhasse" dois dias seguidos eles considerariam a hipótese de algo estar errado. Acho que sempre me fez confusão ouvir aquelas histórias em que os familiares vão dar com a pessoa ferida, morta ou desaparecida muitos dias (semanas, meses) depois de ter acontecido. 
Não pensem que era de facto um acordo pré-estabelecido, com direito a mensagens ou telefonemas ao estilo de "Estás há 25 horas, 3 minutos e 2 segundos sem dizer nada! Queres matar-nos de susto?!", até porque quando por exemplo o Jack passava férias lá em casa, não havia essa necessidade de dizer alguma coisa pois eles sabiam que eu estava acompanhada.

Quando há 5 anos caí na banheira, lembro-me de estar deitada, cheia de dores na cabeça e no pescoço, e de pensar, já depois de confirmar que conseguia mexer os dedos dos pés mas ainda sem ter a certeza se me conseguiria levantar sozinha, que não era grave. Eu não ficaria ali eternamente, não mais do que 48 horas, de certeza. Porque nesse dia, eu não daria notícias aos meus pais e no dia seguinte também não (o telemóvel estava na sala), pelo que eles começariam a pensar que alguma coisa poderia ter acontecido. E como o meu pai trabalhava perto e tinha uma segunda chave de minha casa para uma emergência, provavelmente iria até lá e encontrar-me-ia. É engraçado, mas ainda hoje me lembro do alívio que este pensamento me trouxe, no meio de todo aquele pânico em que estava, quase certa de ter feito grandes estragos na cabeça e na coluna.

Desde que vim para França, este sistema de segurança caiu por terra pois estando a viver com o Jack, se alguma coisa me acontecesse, ele avisaria os meus pais. Não que o contacto diário se tenha perdido, sobretudo depois do nascimento da Mini-Tété pois não há maneira de afastar os avós do skype, às vezes até mais do que uma vez por dia, mas já não se contabilizam os dias de notícias ou ausência das mesmas.
Esta semana, o Jack está a trabalhar a várias horas daqui e não vem sequer dormir a casa, coisa que obviamente não me traz qualquer receio, não me incomoda nada estar sozinha em casa. Maaaaaas....existe a Mini-Tété. E por incrível que pareça, hoje voltei a pensar nesta minha rede de segurança antiga porque dei por mim a pensar que se eu me sentisse mal e perdesse os sentidos, iriam passar-se alguns dias até eu ser encontrada. E mais do que pensar em mim, incomodou-me pensar que a Mini-Tété passaria dias com uma mãe inconsciente, sem conseguir pedir ajuda e sem ninguém saber que algo estava errado. Sim, sim, também me faz muita confusão aquelas histórias em que a mãe morre e a criança passa dias com a mãe morta num apartamento até alguém dar conta da situação.
Cada um tem os seus calcanhares de Aquiles, as suas fragilidades, e acho que uma das minhas é definitivamente não gostar de não ter redes de segurança (e se os meus pais lessem o blogue, já estariam a comentar "Como se fosse possível não saber isso de alguém que até para mexer o carro 1 metro num estacionamento faz questão de colocar o cinto de segurança..."). 

2 comentários:

  1. Eu também criei essa "rede" quando vi para a faculdade. Os meus pais não me cobram nada, muito pelo contrário mas eu fico tão mais tranquila por saber que alguém dará pela minha ausência ;)

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    1. É isso. Não é algo que seja cobrado, não é algo doentio, mas sim algo que nos sabe bem. :)

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