12.5.20

Os argumentos da abertura das escolas

Amanhã, cerca de um milhão e meio de crianças regressará aos jardins-de-infância e às escolas primárias. Não a Mini-Tété, cuja escola, perante a necessidade e/ou vontade de mais de 30% dos pais em colocar os seus filhos na escola, decidiu que não seria possível abrir este mês cumprindo todas as normas que o novo protocolo sanitário exige. E eu, depois de saber desta decisão, dormi finalmente melhor depois de dias de insónias, aliviada por não ter de escolher já entre prejudicar o meu emprego ficando em casa ou enviar a minha filha para um sítio mais parecido com uma prisão do que com uma escola.

Mas depois as insónias apareceram outra vez ao pensar neste milhão e meio de crianças que regressará amanhã à escola e como viverão tudo isto. Espero que rapidamente se perceba que a sanidade mental das crianças também tem de ser considerada, que o seu gosto pela escola deve ser cultivado e não pisado, e que na teoria todas as medidas podem ser as melhores mas na prática simplesmente não são funcionais. Espero que, quando a escola da Mini-Tété se organizar e abrir, já algumas coisas tenham mudado.

Irrita-me sobretudo ouvir o governo argumentar sobre este regresso à escola. Saem-lhes argumentos brilhantes como:
- "As crianças precisam de socializar". Pois precisam. Concordo. Aliás, o objectivo dos jardins-de-infância é sobretudo esse. Mas todas as medidas do protocolo sanitário foram criadas exactamente para a não socialização das crianças, de forma a evitar a transmissão do vírus. Por isso, não, regressar à escola não promoverá esta necessidade.
- "As escolas vão abrir para evitar o abandonar escolar". A minha filha tem 4 anos. Quatro anos. Por ela nunca mais voltava à escola, adora estar em casa, só quer poder brincar com a vizinha e o mundo fica perfeito. Entrou na escola há menos de um ano e meio, depois de 3 anos em casa comigo, ainda nem tinha criado verdadeira ligação à escola para sentir que esta se está a perder. E depois, abandono escolar no jardim-de-infância? A sério? Imagino mesmo que à conta desta quarentena teremos uma série de miúdos rebeldes de 3 e 4 anos a escapar-se às aulas para irem fumar coisas para trás do pavilhão desportivo. Mas com sorte, este regresso escolar conseguirá evitar tal desgraça! Haja paciência. 
Ou a mais recente do Ministro da Educação:
- "Há mais riscos ao ficar em casa do que em ir à escola". Por favor, alguém explique ao senhor que se assim fosse não haveria razão para as escolas terem fechado e toda a gente estar fechada em casa há quase 2 meses. Mas expliquem de-va-ga-ri-nho já que claramente há coisas que ultrapassam este senhor.
A verdadeira razão desta abertura escolar passa obviamente pela necessidade que há de os pais regressarem aos seus trabalhos, pela saúde da economia doméstica e do país. E eu entendo este argumento, não há como não entender, ninguém quer famílias a passar fome à conta deste vírus. Mas mais uma vez isto funciona na teoria, porque depois na prática tudo se esbardalha ao comprido. Devido às medidas do protocolo sanitário, o número de crianças por sala é verdadeiramente reduzido (na escola da Mini-Tété e em muitas outras, só podem ir 5 ou 6 crianças por sala), o que obriga a que haja rotatividade de grupos de alunos para que todos tenham acesso à escola em dias diferentes. Por isso, são várias as situações em que as crianças irão dois dias por semana à escola, se não apenas um dia. Ou uma vez em quinze dias. Em que é que isto ajuda os pais a retomar o emprego? A ganharem o seu salário? E não resisto a perguntar: em que é que isto ajuda à famosa socialização das crianças e à resistência ao abandono escolar? 
Mas, mais uma vez, para o senhor Ministro da Educação, tudo está bem. O seu objectivo é que até ao final do Maio todas as crianças possam ter ido à escola pelo menos um dia. Entendo-o, assim poderá subir ao púlpito e anunciar orgulhosamente que conseguiu criar condições para que em Maio todas as crianças regressassem à escola (só um dia mas isso é segredo, shiuuuu). Faltam-me estudos para este tipo de raciocínio.

Sei que estas medidas chegaram em parte a Portugal, aplicadas para já às creches. Sinceramente, se acho complicado quando falamos de crianças de 3, 4 e 5 anos, parece-me simplesmente impossível para crianças abaixo dos 3 anos. Mais uma vez, entendo a necessidade de se abrirem escolas e creches, entendo a necessidade de medidas que evitem a propagação do vírus, mas não entendo como é que as querem fazer aplicar a crianças tão pequenas, criando um clima de stress e ansiedade que a elas lhes fará pior que este maldito vírus. Não é fácil ser pai numa altura destas e custa-me ainda mais ver que, não fosse tudo isto suficiente para criar insónias a muitos, ainda se cria um clima de culpabilização ao estilo de "os pais que se preocupam ficam em casa com as crianças, os que não querem saber mandam-nos para a escola". Tudo isto já não é fácil, tenham mas é juízo e parem com os julgamentos.



4 comentários:

  1. Realmente não faz sentido nenhum abrir-se as escolas para muitas crianças irem um dia marcarem presença - só se for para os pais terem uma folga e dormirem todo o santo dia em casa.
    Enfim, há que mostrar trabalho, há que fazer alguma coisa - mesmo quando o resultado pode ser catastrófico!

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    1. É isso. Eu entendo a necessidade de se abrirem as escolas, entendo a necessidade de os pais regressarem ao trabalho, e não tenho nenhuma solução-milagre para isto mas não me parece que assim seja a maneira correcta de se fazerem as coisas.

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  2. Por aqui, o Rafael só irá para a creche em Junho... ou quiçá em Julho! Farei o melhor pelo meu filho, independentemente das recomendações.

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    1. Que recomendações? De que faz bem regressar à escola?
      Eu acho que todos os pais procuram fazer o melhor pelos filhos nesta situação. A diferença está nas várias alternativas que cada um tem. Nestas condições, eu também preferiria ficar em casa com a Mini-Tété e continuar a ensiná-la em casa, mas em Junho se a escola abrir com vaga para ela e deixar de haver a possibilidade de os pais escolherem o que fazer (continuando a receber se ficarem em casa), eu terei de regressar ao trabalho. Porque não o pai também não pode ficar com ela em casa. E os avós também não estão disponíveis (e mesmo que estivessem, não seriam neste momento a nossa primeira escolha para os protegermos). Deixa de ser uma questão de fazer o melhor pela Mini-Tété para passar a ser a única opção possível a ser feita.

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